Técnico Taguspark numa palavra

Investigadora Cláudia Miranda: “É muito difícil perceber a ciência só pelos manuais”

Cláudia Miranda poderia bem ser o nome de uma piloto da Força Aérea Portuguesa, não fosse um problema de coluna a trocar-lhe as voltas. O sonho de estar fardada, numa cabine de aeronave a comandar o voo deu lugar a bata branca, laboratórios e uma busca incessante pelo conhecimento.

A adolescente que os pais proibiam de estudar, por estar sempre com os olhos enfiados nos manuais, tornou-se numa cientista especialista em células estaminais.

A sua carreira começou no Técnico, primeiro enquanto estudante. Doutorou-se em Biotecnologia e Biociências, para depois entrar no IBB (Instituto de Bioengenharia e Biociências) enquanto investigadora. De 2016 ao presente, já são vários os artigos que constam com seu nome como autora.

De momento, a cientista Cláudia tem em mãos duas grandes pesquisas, ambas com foco em células estaminais, consideradas células especiais pela sua enorme versatilidade, com capacidade para se auto-renovar e se diferenciar em múltiplas linhagens.

Na primeira linha de pesquisa, a jovem de 34 anos testa os efeitos nos neurónios das catinonas, uma droga semelhante à anfetaminas, que produz no laboratório a partir de células estaminais. Depois, simula os possíveis efeitos que causam no cérebro do bebé, caso uma mulher grávida consuma essa droga.

Na segunda linha, a investigadora estuda o efeito de alguns medicamentos nos rins: “Quando nós tomamos um medicamento, um dos principais órgãos que é afectado, sem ser o fígado, que é onde os medicamentos são todos metabolizados, é exatamente o sítio onde vão ser descretados para o exterior que é o rim”. Essa pesquisa, segundo a investigadora, permite que o desenvolvimento de novos medicamentos seja mais rápido do que o habitual, evitando experiências com ratinhos e diminuindo os custos da investigação. São esses impactos que fazem diferença na qualidade de vida das pessoas, que é o  mote de inspiração de Cláudia enquanto cientista.

“Eu adoro o que eu faço. Adoro! É aquela sensação de nós desenharmos a nossa experiência, irmos ao laboratório, analisamos os resultados, os dados, e no final estar a olhar para aquilo e, por um breve momento, antes de publicarmos, sermos a única pessoa do mundo que sabe como aquilo funciona”.

Apesar de gostar do que faz, Cláudia Miranda reconhece que ser investigadora de células estaminais é uma função “extremamente exigente”, e que exige sacrifícios que, muitas vezes, incluem trabalhar para além das 8 horas normais, fins de semanas e feriados. Entretanto, o que lhe custa mais é conciliar todas as tarefas de investigadora e professora com a procura de financiamentos para novas pesquisas, onde tudo é muito caro e os financiamentos cada vez mais escassos. Ainda sim, Cláudia segue de cabeça erguida, porque sabe que na vida de investigadora as coisas nem sempre correm bem, na primeira tentativa.

 

“Às vezes aparecem dificuldades, é normal, mas há que saber lidar com elas, não nos entregarmos totalmente à frustração. Acho que ficar um bocado frustrado faz parte e é normal, mas arranjar novas formas e mecanismos de conseguir ultrapassar essas frustrações é um desafio”.

São esses ensinamentos que busca partilhar com os seus alunos no Técnico campus Taguspark. Professora Auxiliar do Departamento de Bioengenharia, Cláudia diz que cedo percebeu que a ciência “é muito difícil de se perceber só pelos manuais”, uma vez que o conhecimento está em constante evolução.

“Eu acho que para além de conseguir mostrar essa evolução aos alunos, é importante também incutir-lhes o interesse de procurar um bocadinho mais e despertar aquela curiosidade, relativamente ao que poderão fazer ou no que conseguirão contribuir para determinada área”.

Quando pode, Cláudia Miranda também dá aulas aos mais pequenos. Desde que entrou na faculdade, que, a convite da mãe, professora de ensino básico, vai à escola partilhar conhecimentos e entreter os miúdos com experiências científicas. Para a investigadora, a sua envolvência nos projetos do género justifica-se pela importância que tem para os mais novos entrarem em contacto com a ciência, ainda nesta fase, para que possam desenvolver o gosto pela área.

“Acho que, assim, eles começam a puxar pela curiosidade e acaba por desmistificar aquela inacessibilidade a pessoas que fazem investigação. A melhor forma de conseguir preparar o futuro é puxar as crianças pelas áreas do STEM, que cada vez mais conta com representações das mulheres”.

Cláudia é uma mulher do STEM, mas também da literatura, especialmente a clássica. Uma devoradora nata de livros que desde muito pequena entretém com as narrações e não consegue parar enquanto não terminar de ler.

“Digo que é vício porque, quando eu pego num livro,  não faço mais nada até acabar, e portanto tenho uma regra para mim própria que é, só leio quando estou de férias. Gosto muito de ler os clássicos da literatura, é o meu vício”.

O livro fica para as férias, mas o desporto, este Cláudia Miranda mantém presente nas suas rotinas do dia a dia, o que não é difícil para quem, desde os três anos, faz natação e foi até pré-competição. Depois, passou a praticar ténis, a ir para o ginásio e, mais recentemente, a fazer atividades ao ar livre. Atividades que ocupam o seu tempo no final da tarde, depois das aulas e do laboratório. “É aquele bocadinho que tiro para mim, onde eu consigo desligar e não pensar em nada, porque depois de estar aqui um dia, num trabalho que puxa muito pela cabeça, eu preciso daquele bocadinho para desligar. Acho que isso é fundamental para manter um bocado de sanidade mental durante o período de trabalho”.