Matemática Ana Moura Santos: “Uma pessoa com uma visão ampla e direcionada para a mudança de mentalidades”
Entrevista Ana Moura Santos: Técnico Taguspark numa palavra
Ana Moura descreve o Técnico Taguspark como um espaço “Aberto”. “Aberto a novas coisas. Um espaço que facilita a comunicação entre pessoas de outros departamentos e promove a proximidade entre docentes e estudantes.” É neste espaço que a professora trabalha pela mudança, por um ensino melhor, mais inclusivo e democrático.
Com apenas 17 anos, Ana Moura saiu de casa, financiada por uma bolsa de estudos, em direção à Universidade de Moscovo para estudar Física e Matemática. Desde então, nunca mais olhou para trás. Pedro Lima, que foi seu colega durante essa temporada e é atualmente colega no Departamento de Matemática, considera que “não é preciso dizer o quão desafiante era para jovens portugueses estudar numa Universidade como aquela, frequentada pelos melhores crânios da União Soviética, e onde leccionavam alguns dos melhores matemáticos e físicos do mundo… As aulas eram todas em Russo e tivemos que vencer esse obstáculo”. Porém, não foi motivo de impedimento para nenhum dos dois, e para Ana Moura não seria a primeira vez que teria de vencer adversidades. “Eu venho de uma família ainda um pouco tradicional em termos de género, por isso era constantemente confrontada com ter de mostrar que era igualmente inteligente que o meu irmão mais novo. Era sempre o despique em matemática.”
Em termos de investigação, Ana Moura pegou recentemente numa vertente diferente de matemática. “Continuo a publicar 3 a 4 artigos por ano, só que são em tópicos um bocado diferentes”. Atualmente está envolvida em dois projetos europeus. O primeiro, “Fostering Women to STEM MOOCs”, que acaba de ser concluído, ambicionou a produção de conteúdos educativos apelativos para raparigas, com a criação de boas práticas. O mesmo obteve resultados bastante interessantes que “chamaram à atenção para o facto do problema da desigualdade de género não estar resolvido nas áreas de TIC [tecnologias da informação e comunicação], ao contrário do que às vezes querem fazer parecer”, explica a investigadora. Para além de levantamentos estatísticos que refletem uma diminuição, nos últimos 30 anos, de mulheres nas áreas de Informática e Ciências da Computação, o projeto também conseguiu identificar objetivamente algumas razões para essa diminuição. Tudo indica que os ambientes, nestas áreas, são considerados hostis por jovens mulheres e continua a haver uma invisibilidade e falta de reconhecimento de profissionais femininas em áreas como aprendizagem automática e a inteligência artificial, que poderão servir como exemplo de casos de sucesso. “Este é outro problema: parece que a informática sempre foi feita de homens para homens, mas não é verdade: basta recordar que as primeiras linhas de programação jamais publicadas foram criadas por Ada Lovelace, uma mulher!”, vinca Ana Moura.
O segundo projeto chama-se “MathICs” e, com este, pretende-se, com a ajuda de várias universidades europeias, “atualizar o currículo de matemática nas universidades de Marrocos, tendo em conta não só hardwares e softwares, como também metodologias de ensino e conteúdos online para estudantes de ensino superior. E é aí que eu entro.”
Como atual coordenadora técnica e pedagógica do MOOC Técnico, a professora trabalha em particular estratégias de comunicação de ideias e conceitos abstratos de matemática num formato que facilita a aprendizagem desses conceitos que costumam ser de difícil aprendizagem por parte de estudantes.
“A ideia do MOOC é reproduzir a estrutura de um livro, mas com materiais tipicamente online – muito fundamentados em vídeos e com outros materiais e atividades de apoio”, explica a professora. Uma das grandes vantagens deste projeto é ser open source (acesso gratuito a todas as pessoas), pois pode ser utilizado “não só por estudantes que estão inscritos [nas disciplinas do técnico], como por estudantes que estão nos confins da Índia ou algures no meio de África.” Para Ana Moura é essa a grande missão deste formato — A democratização da educação superior. “Quanto mais acesso aberto ao Ensino Superior houver, mais a sociedade poderá usufruir disso, uma vez que quanto mais diversa for a população ilustrada, melhores qualidades teremos nas empresas que estão a produzir tecnologias, ciências e matemática”, salienta Ana Moura.
Sendo membro da comissão de gestão do campus do Taguspark, a professora também coloca esforços na inclusividade do ensino presencialmente, através do Apoio ao Estudante no campus, não só a nível de questões de género, mas também a nível de necessidades educativas especiais. E é assim que pretende continuar a contribuir.
“Digamos que eu sempre tive dois amores”, confessa. O primeiro, com grande influência familiar, em particular do pai, Engenheiro Eletrotécnico formado no Técnico, que a encorajava a seguir uma carreira científica e outra proveniente de um amor indomável pela expressão artística, que a incentivava a explorar a carreira de dança. “Fui [para Moscovo], ingenuamente, a pensar que podia fazer as duas coisas [estudar Física e Dança clássica], mas rapidamente cheguei à conclusão que não”, confessa a investigadora. Porém, após ter terminado o mestrado em 1987, voltou para Portugal, onde não prescindiu de explorar uma carreira na dança, enquanto lecionava algumas aulas, como Professora Assistente, no Técnico. “Ainda cheguei a receber dois subsídios para montar três espetáculos no Trindade e trabalhei como coreógrafa na companhia de Teatro em Évora. Passei 5 anos com “carteira de artista profissional” em dança.”
Contudo, decidiu retomar a carreira académica, seguindo as pegadas do pai. “O que ele gostava mesmo era de dar aulas no Técnico e portanto eu decidi ceder à influência dele.” Assim, em 1995, Ana formou-se em Matemática Aplicada no Instituto Superior Técnico, ingressando num novo mestrado, seguido por um Doutoramento em 1999.
“Foi um gosto tê-la como professora”, admite Inês Antunes, Delegada de 1º ano na Licenciatura de Engenharia Informática e de Computadores, que foi aluna de Ana Moura no semestre passado em Álgebra Linear. A mesma conta-nos que por vezes confessava-lhe que “se fosse tão inteligente como a professora, deixava de dar aulas e ia tentar ter um prémio Nobel. A professora ria-se e respondia-me que não o faria, porque o que gostava mesmo era de dar aulas. Sempre se esforçou bastante para dar aulas apelativas, criando métodos para nos facilitar o estudo e ajudar a melhorar as nossas notas.”
Mesmo integrando a sua carreira profissional no Técnico, Ana Moura não deixou de alimentar o seu lado artístico através de hobbies. “Acho fantástico alguém ter uma carreira em ciências e, ao mesmo tempo, pintar. Ou ter uma carreira de música e ao mesmo tempo ter uma curiosidade insaciável por biologia ou por neurociência. Acho que isso não é suficientemente acarinhado ou alimentado”. Foi com esta última ideia que, numa tentativa de contrariar isso, nasceu o projeto Viver a Cultura @ Técnico Taguspark, no qual mensalmente é colocada uma exposição de arte no átrio, juntamente com um convite a um ou uma artista de artes performativas, que vem explicar a sua arte a estudantes e restante comunidade académica.